25 de fevereiro de 2015

Blohm & Voss BV 141 - Um Projeto Totalmente Fora da Caixa

Imagine um avião tão feio que pode matar o inimigo de susto. Ou tão feio que pode matar o inimigo de rir. Ou, simplesmente, coloque um monte de bombas nele e faça o trabalho do jeito convencional. Isso resume bem o BV 141.




Mas antes de tudo, olá a todos e a todas.

Esse é meu primeiro post aqui no Bigórnia e antes de mais nada gostaria de me apresentar. Me chamo Guaré, sou amigo do David e compartilho com ele uma enorme paixão: veículos. A diferença é que eu sempre me fascinei muito mais por aviões, enquanto que Bichão (o apelido secreto do David) manja de carros. A gente também difere no fato de eu ser muito mais mulambento do que ele. Acontece que ele me chamou para postar coisas interessantes do mundo aéreo aqui e, bem, cá estou.

Mas chega de enrolação, vamos ao que interessa.

É bem sabido que a Alemanha foi o berço de ideias interessantíssimas no campo da engenharia aeronáutica no período que antecedeu a segunda grande guerra até o fim da mesma. A engenharia alemã concebeu desde a famosa tecnologia a jato, como o famoso ME-262 até experimentos mais ousados, como o ME-163 e sua propulsão a foguete.


O ME-163: uma bombinha voadora cheia de metanol e oxigênio.


Inovadores e quase sempre eficazes, os aviões alemães são lembrados com reverência e respeito por todo aficionado pela segunda guerra, mas apesar de toda a vasta coleção de modelos de aeronaves produzida pela Alemanha Nazista, podemos traçar um paralelo entre todos eles: salvo alguns detalhes pequenos (como a entrada de ar para o motor do BF-109 por exemplo), eram todos simétricos.

Todos menos o BV 141, um protótipo que jamais chegou a produção em massa, mas que certamente é um sério competidor ao título de "avião mais bizarro da Segunda Guerra".

O projeto do BV 141 surgiu na empresa Blohm & Voss. A empresa, que funciona até hoje como um estaleiro, encontrou no fabrico de aviões uma maneira de escapar da crise financeira do entre-guerras, e realmente obteve algum sucesso com seus hidroaviões. Em 1933, quando o Partido Nazista começou o rearmamento da Alemanha (erguendo o dedo médio num claro sinal de afeto ao Tratado de Versalhes), a Luftwaffe entrou em contato com as empresas Arado e Focke-Wulf para a produção de um avião de reconhecimento de longo alcance. Uma empresa subsidiária da Blohm & Voss, a Hamburger Flugzeugbau, começou a trabalhar no projeto por conta própria (mesmo sem ser convidada!) tamanha era a confiança que tinham em seu design.


BV 138: um hidroplano trimotor de 1940, feito pela Blohm & Voss


Partindo da premissa de que um avião de reconhecimento deve oferecer a melhor visibilidade possível para o piloto, o Engenheiro Richard Vogt começou seus primeiros esboços. Só para você ter uma boa noção do que se passava entre as orelhas desse ser humano, ele projetou e construiu um avião (que não voou) em 1912 apenas com 18 anos de idade e, depois da Segunda Guerra, até especulou um avião com um motor atômico. Aparentemente, ele não era muito chegado em ideias convencionais.

Aviões monomotores, de fuselagem única, eram os grandes campeões em performance do período. Rápidos e manobráveis, aviões com esta característica eram sempre preferíveis  e os projetistas sempre consideravam este approach ortodoxo e provado, salvo quando a necessidade de transportar grandes cargas acaba suplantando as qualidades comuns aos monomotores, como no caso dos bombardeiros médios e pesados.

Um dos grandes problemas de um avião monomotor é a (falta de) visibilidade da cabine. Com o motor logo a frente, o piloto perdia grande parte da visão, dificultando o trabalho de reconhecimento. Uma solução seria um design bimotor convencional ou algo mais arrojado: duas fuselagens (twin booms) com dois motores e uma cabine na junção entre as fuselagens. Mas motores eram escassos no período e toda produção geralmente ia direto para as fábricas que montavam equipamentos para combate de fato. Aviões de reconhecimento deveriam ser enxutos. Mas para Richard Vogt, "enxuto" não significava "pouca performance".

Disposto a produzir um veículo com todas as qualidades de um avião monomotor, mas com uma excelente visibilidade na cabine, Richard acabou por desenhar isto:


Eis o BV 141 B: design radical é isso, o resto é biribinha.


Claro, sejamos justos. O approach inicial de Richard para o protótipo envolvia de fato um desenho mais convencional e simétrico (pelo menos na seção da cauda), mas a medida que foram ficando evidentes as qualidades de um avião assimétrico e que essa assimetria não necessariamente significava uma má performance, o conceito final foi tomando forma.

Em tempo, além das qualidades supra-citadas de aviões monomotores convencionais, o design assimétrico do BV 141 oferecia também alguns benefícios que vinham a calhar. Um deles é o fato de que a ausência de um elevador na cauda do avião proporcionava ao artilheiro de ré uma linha de tiro livre de quaisquer obstáculos. Vale lembrar que, embora o objetivo primário do projeto fosse um avião de reconhecimento, torná-lo adaptável para outros papéis mais ofensivos não era uma má ideia (e de fato isto ocorre em inúmeros projetos aeronáuticos até hoje).


Vista frontal da cabine: note a excelente visibilidade que o piloto tinha.


Outra qualidade que esse desenho oferecia era o peso distribuído assimetricamente. Aviões monomotores da época tinham a tendência de girar aos poucos no sentido de giro da hélice, tornando necessária uma contínua correção por parte do piloto. Quanto maior o torque gerado pelo motor, maior era essa tendência ao giro. Este efeito é o mesmo que obriga helicópteros a terem um rotor na cauda. Por possuir a cabine do lado oposto ao do giro da hélice, o projeto do BV 141 anulava esse efeito incômodo e oferecia uma grande estabilidade.

Os primeiros protótipos utilizavam o motor radial Bramo 323, que gerava 986 cavalos. Esta escolha se mostrou insuficiente e novos testes foram feitos. Enfim, o motor escolhido foi o modelo BMW 801-A de 14 cilindros que gerava 1.539 cavalos para a hélice de três pás. A velocidade máxima do avião girava em torno de 430 km/h,  tinha um alcance de 1900 quilômetros e teto de 31.810 pés (mais ou menos 9.500 metros). O trem de pouso era recolhido em direção a ponta das asas e o trem de pouso na cauda era recolhido para dentro da fuselagem. Havia um suporte em V para a parte horizontal da cauda e a cabine oferecia ótima visibilidade para a frente, ré, para cima e direita para os três tripulantes. Some-se a isso ótimas características de vôo e você terá um excelente avião para os padrões de 1938.


BV 141 com a suástica na cauda: o excesso de peso de um lado compensava o torque do outro.


Claro que nem tudo foram rosas e ajustes foram necessários, principalmente na fuselagem e na cauda, que tiveram suas estruturas reforçadas. Mesmo assim o avião foi louvado pelo piloto de testes Ernst Udet (ás da primeira guerra que era chefe do departamento de desenvolvimento de aeronaves da Luftwaffe).  Foram encomendadas 500 unidades do BV 141 B (a letra B corresponde ao protótipo já ajustado) e 20 aviões já estavam montados quando o projeto foi descontinuado. As razões para essa decisão foram muitas, mas nenhuma envolvia o projeto de fato.

Uma razão foi a destruição de uma fábrica da Focke-Wulf por bombardeios aliados, que produzia o importante FW-200 Condor. A produção foi então remanejada para as instalações da Blohm & Voss e a produção do Condor ocupava até 80% do espaço da fábrica. Outra razão foi o diminuto tamanho da B&V, que em seu ápice, possuía em torno de 5.000 operários na época. A Junkers, em comparação, possuía 147.000. A Heinkel, 50.000. Para piorar, o motor BMW 801 era o mesmo utilizado pelo importantíssimo FW-190. Tudo conspirava contra o bizarro avião, menos ele próprio.


Esse avião, especialmente nessa foto, dá um nó no meu cérebro. Note a excelente visibilidade traseira.


Entre os anos de 1941 e 1943 houveram tentativas de Richard Vogt para o reaproveitamento do projeto. O objetivo era a substituição do bom e velho JU-87 Stuka, que já começava a mostrar sinais de senilidade. Isso se deu especialmente após o projeto da continuação do Stuka, o JU-187 (outro avião bizarro que merece um post), não apresentar nenhuma melhora significativa em relação ao seu antecessor. Este projeto recebeu a designação de BV 237 e um motor novo, o BMW 801-D (que gerava 138 cavalos a mais). O papel a ser desempenhado pelo novo avião era de um bombardeiro de mergulho, e a ótima visibilidade da cabine facilitava o trabalho do piloto de identificar alvos e mirar.

A cabine foi reforçada para proteger o piloto de estilhaços e projeteis e armamentos foram adicionados. Dentre eles duas metralhadoras fixas MG 151 apontadas para frente, duas metralhadoras MG 131 para o artilheiro de ré e até 1000kg. de bombas diversas. Ao invés de bombas, podiam ser montados sob as asas até 3 canhões MK 103 de 30mm. Havia também versões deste projeto equipadas com o motor a jato Jumo 004.


Vistas e concepções artísticas do que seria o BV 237.


A primeira vista este seria um bom projeto, mas o tempo corre célere durante uma guerra e nesta altura já haviam aviões aliados com performances muito superiores e o projeto foi cancelado. Pessoalmente, cogito que outra razão para a descontinuação do BV 237 tenha sido o avanço de outro design, o ME-262. De fato este foi um avião revolucionário e de altíssima performance para a época, e em 1943, já se encontrava nas etapas finais do projeto. Contrariando pessoas mais experientes, Hitler insistia em seu uso como bombardeiro de mergulho, colocando assim o BV 237 para escanteio. Infelizmente não possuo referências para isto. (Mentira. Na verdade eu estou cansado demais para pesquisar mas tenho quase certeza dessa informação. Se eu errei, foi mal aê e podem pegar no meu pé).

No final das contas, 38 BV 141's foram construídos, mas infelizmente, nenhum sobreviveu a guerra. Vários destroços foram encontrados pelos aliados e, pelo menos um, foi para Inglaterra para estudos e acabou depenado. Fico imaginando a cara dos engenheiros quando o viram...


Algumas medidas do BV 141.


 Mas, voltando ao ano de 1938, quem foi que ganhou o contrato para produção de um avião de reconhecimento para a Luftwaffe? Um dos concorrentes, o Arado AR 198 foi chutado logo de cara simplesmente por ser ruim e o vencedor foi o FW-189, que não tinha um motor tão potente e nem tanta performance, mas era bem manobrável. Mas não vou falar dele agora não.

Mas quem sabe um dia?




O dito cujo em um vídeo raro. Note a cauda convencional:
provavelmente se trata de um protótipo inicial.

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Referências: 1, 2, 3 e wikipedia (não me julguem!)

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