15 de maio de 2015

Tom Meade: de um excêntrico aventureiro a "carrozzerie" de carros especiais ─ Parte 1



Carisma, temperamento impulsivo, espírito aventureiro, e acima de tudo, um enorme de desejo de materializar ideias. Algumas dessas características podem definir um pouco a personalidade de Tom Meade (1939-2013), um californiano que aparentemente nunca fez grandes planos, porém seu caráter desbravador lhe proporcionou uma riquíssima experiência de vida, assim como grandes feitos, a exemplo dos carros que ele mesmo criou e que faziam sucesso aonde quer que aparecessem. O que também lhe ajudou bastante em sua jornada foi ter parado nos lugares certos e ter encontrado as pessoas certas. E tudo começou a partir de um sonho talvez ingênuo: reviver sucatas de carros de corrida de volta na forma gloriosos esportivos de rua.

Nascido em Hollywood, Meade passou parte de seus primeiros anos de vida na Austrália e no Havaí, até que sua família decidiu voltar definitivamente para a Califórnia. Seu pai, um pugilista profissional, faleceu durante a gravidez da mãe. A paixão por automóveis começara desde muito cedo e aos onze anos Meade já traçava os primeiros rabiscos de suas próprias invenções ─ mal sabia que seu senso de estética viria a se apurar de uma forma peculiar e se materializar na forma um carro algum dia.


Tom Meade: um genuíno desbravador.


No fim de sua adolescência, ele se alistou na marinha e serviu por quatro anos, tendo trabalhado também como técnico em eletrônica nos porta-aviões Oriskany e Yorktown no Oceano Pacífico, uma aventura e tanto. Em 1960, quando finalmente havia voltado para sua casa na paradisíaca Newport Beach, tudo o que ele mais queria fazer era investir cada centavo que havia juntado em um carro exótico que, é claro, lhe fosse acessível. Meade até havia começado aprender a trabalhar com fibra-de-vidro, material que poderia lhe servir para modificações em seus carros.

O destino de sua vida mudaria em Costa Mesa, uma pequena cidade no sul da Califórnia, quando se deparou com uma Ferrari 500 TRC em uma oficina; para Meade era a obra-prima mais surreal sobre rodas que já havia visto até então. Era uma versão da 500 TR feita para disputar na categoria C do finado Campeonato Mundial de Carros Esportivos, equipada um motor de 2 litros e quatro cilindros. Meade costumava visitar algumas vezes aquela raridade e ─ tamanha a paixão ─ passava várias horas apreciando cada curva e vinco da carroceria, já imaginando melhorias para sua forma e a adaptação para uso diário.


Meade dentro do Maserati 350S que ele mesmo transformou e adaptou para uso nas ruas.


Um certo dia indagou o dono sobre como havia conseguido aquela máquina; disse-lhe que em um depósito em Roma cheio de outros carros de corrida que precisava ser esvaziado e assim todos eles estavam sendo vendidos a preço de banana. Meade não pensou duas vezes e decidiu ir à Itália no mesmo dia! Lembre-se que aqueles eram os tempos da Geração Beat, um dos embriões do movimento hippie; tempos em que muitos jovem fugiram de casa após simplesmente lerem o "subversivo" On The Road (Pé na Estrada) de Jack Kerouac.

Mas como partir? Com 50 dólares na carteira (equivalentes a atualmente mais ou menos 400 dólares) e apenas 21 anos de idade, ele seguiu de Los Angeles até Nova Orleans e lá se inscreveu para trabalhar como copeiro no SS Nardo, um navio cargueiro norueguês cujo destino era a cidade de Trondheim. Após uma jornada de intermináveis 35 dias, Meade desembarcou logo na primeira parada em Stavanger, no sul da Noruega, de onde partiu para Oslo e Estocolmo. Ainda na Suécia, passou alguns dias na casa de uma antiga namorada em Odenplan.

A próxima parada seria Londres. Ele chegou lá a bordo de uma motocicleta Triumph pilotada por um amigo do navio e comprada de um turista estadunidense. Depois passaram pela Espanha e ficaram por algum tempo nas Las Ramblas, um conjunto de ruas de Barcelona. Venderam a Triumph e compraram passagens para o arquipélago de Maiorca, aonde passaram seis meses acampando no teto de um hotel ao preço de apenas 50 centavos de dólar para cada um. Vivendo em tendas suspensas (e sustentadas por pedaços de tubulações), a dupla até montou uma cozinha improvisada com uma churrasqueira. Fora o "aluguel", aquela vida custava a cada um cerca de 25 centavos de dólar por dia.


Seduzido pelas linhas da Ferrari 500 TRC. (via)


Seu comparsa a partir dali seguiria para o continente africano, enquanto que Meade conseguiu trabalho no serviço de bordo e na cozinha de um iate que partiria em direção a Gênova, diretamente com o capitão da embarcação. Finalmente a Itália! Ao chegar lá, resolveu ir para em uma antiga vila convertida em albergue e fez amizade com um neozelandês que possuía uma motocicleta BSA. No dia seguinte, o mesmo neozelandês aparecera com uma Vespa novinha e abandonara a BSA; Meade quase infartou, porque queria comprá-la. Por sorte eles a reencontraram no mesmo lugar em que havia sido abandonada e Meade a teve de graça.

Foi então a um posto de gasolina próximo, cumprimentou o dono e perguntou se podia usar algumas ferramentas para dar um jeito na motocicleta. Sem problemas. Mesmo que quase sem conhecimento de mecânica, Meade a desmontou, limpou e trocou a vela de ignição. Três horas depois, com seu novo meio de transporte reconstruído, deu a primeira partida; o motor ligou e assim seguiu para Roma feliz da vida.

Ao se deparar com seu pressuposto destino final, ele imediatamente saiu à procura do depósito que ouvira falar, mas sem sucesso. No fim do dia, se hospedou em um albergue e lá pelas quatro da manhã teve seu sono interrompido por alguém que batia nas portas do armário. Não deu bola, mas o mesmo acontecera na noite seguinte e assim surgiu mais outra amizade; era um conterrâneo que estava atuando no filme I Due Nemici (The Best of Enemies) com os atores David Niven e Alberto Sordi, dirigido por Guy Hamilton e produzido por Dino De Laurentiis. Disse-lhe que estavam precisando de alguém para interpretar o papel de um oficial britânico no filme e que Meade tinha exatamente a aparência de um. Se quisesse o papel, deveria acompanhá-lo até o estúdio de De Laurentiis às 11 da manhã do dia seguinte.


Um papel de figurante no filme I Due Nemici (lançado em 1961), rendeu a Meade uma boa recompensa.


Ao chegar no estúdio, Meade foi apresentado ao produtor, que o perguntou se já havia atuado alguma outra vez. Verdade? Alguém que estava quase a passar fome precisava dizer apenas o que poderia ser ouvido em troca daquele dinheiro. A recompensa era de cerca de 150 dólares (nada mal!) por semana durante dois meses de filmagens noturnas, o que significa que Meade teria o resto do dia livre para procurar o tal depósito, mas se frustrou ao se ver em um lugar que na verdade pouco tinha de interessante para um automobilista.

Tudo o que ele mais queria era ter a chance de adquirir um carro de corrida e adaptá-lo para uso diário, uma vez que nenhum modelo de rua conseguia despertar seu interesse. Naquela época, à medida em que os bólidos de competição não conseguiam mais dar resultados positivos nas pistas, eles eram simplesmente descartados ou abandonados à própria sorte. Pois nada melhor do que reviver o brilho dos dias de glória desses carros ao torná-los viáveis para circulação nas ruas. Ideia de louco somente para o senso comum, é claro.


A fábrica da Maserati em Módena, em 1958.


Após o fim das filmagens e cansado de Roma, Meade decidiu ao menos tentar visitar a fábrica da Ferrari e assim partiu a bordo de sua motocicleta até Módena. Ao chegar em um cruzamento que era o fim de uma ponta da Autoestrada del Sol, perguntou a um cidadão local que passava por lá qual rota ele deveria tomar para Maranello, a cerca de 18 quilômetros dali. Mas foi informado que se partisse àquela hora do dia, daria de cara com os portões fechados. Meade então perguntou sobre a fábrica da Maserati; bastava apenas seguir direto por uma rua e virar a esquina à direita. Maravilha.

Às sete e meia da noite, a rua já estava deserta e a fábrica, praticamente encerrado seu expediente, mas mesmo assim encontrou os portões abertos do prédio. Com uma aparência que lhe faria jus à dos personagens principais do filme Sem Destino (Easy Rider), Meade se apresentou à portaria como um interessado em ver os novos Maseratis. Segundo ele mesmo, como perceberam que era um estadunidense, acharam logo que fosse um "milionário" (apesar do seu visual de "beatnik") e logo chamaram o engenheiro Aurelio Bertocchi (1930-1985) para recebê-lo ─ também futuro presidente da marca e filho de Guerrino, chefe da divisão de testes. Em seu italiano macarrônico, Meade explicou-lhe que queria adquirir um carro de competição; Bertocchi respondeu que a fábrica já não fazia mais este tipo de negócio. Em compensação, o engenheiro tomou simpatia pelo jovem californiano, que havia atravessado um oceano em busca do seu tesouro, e o convidou para uma visita nas instalações da fábrica.


Maserati 350S: amor à primeira vista. 


Bertocchi lhe apresentou o Maserati 3500 GT e seus últimos aperfeiçoamentos, enquanto que Meade em si, indiferente, estava somente interessado nos carros de corrida. A visita começou a ficar mais atrativa quando ambos prosseguiram até o departamento de competições, localizada em um prédio vizinho. Aqueles eram os tempos do Tipos 60 e 61 "Birdcages", com para-lamas excessivamente protuberantes em relação ao cockpit baixo. Mas no meio do caminho, a curiosidade de Meade se atiçou para uma bela carroceria coberta por uma lona. "Vecchia!", disse-lhe Bertocchi, mas Meade não se conteve e tirou parte da lona para ver a frente do carro. Foi amor à primeira vista. Insistiu ao engenheiro para remover toda a lona e lá estava, suspensa por cavaletes, a carroceria mais bela que havia visto desde a Ferrari 500 TRC.

Aquele era o primeiro dos três únicos Maseratis 350S construídos (chassi #3501), mais precisamente o mesmo em que o piloto britânico Stirling Moss usou para competir na Mille Miglia de 1956, a penúltima edição desse evento, banido pelas autoridades italianas após dois acidentes fatais no ano seguinte. Finalizado em 1955, esse 350S estava originalmente equipado com um motor de 3,5 litros e seis cilindros em linha em fase de desenvolvimento para ser utilizado no 3500 GT, que ainda estava para ser lançado. Moss, no entanto, se acidentou com o carro e abandonou a corrida. Mais tarde, a fábrica o recuperou, esticou o chassi, instalou-lhe um motor V12 e cedeu ao piloto francês Jean Behra para competir na Mille Miglia de 1957. Um pistão quebrado colocou-lhe fora da competição e a fábrica, por fim, recolheu o carro e o largou ao relento.


O motor V12 do 350S.


Bertocchi jamais imaginaria que aquele carro iria parar nas mãos de um jovem californiano que desejava revivê-lo na forma de um esportivo de rua. Mas tudo só foi possível após Meade implorar e insistir bastante, tudo porque "a Maserati dificilmente venderia sucatas de carros de corrida para seus clientes". Bertocchi acabou cedendo e ligou para o escritório de vendas pedindo autorização para fechar o negócio. Quanto será que custaria somente aquela carcaça? Estratosféricos 2, 3 ou até 10 mil dólares? "O que acha de levá-lo por 450 dólares?", perguntou Bertocchi. Chocado e surpreso por poder levá-lo por tão pouco, Meade se engasgou consigo mesmo. "Tudo bem, eu sei que é muito. Te faço por 420", disse Bertocchi. Com esforço, Meade finalmente respondeu: "Yes!".

A primeira parte do sonho enfim se realizara, agora vinha o próximo desafio: reviver aquela sucata na forma de um esportivo de rua. Como Meade queria levar o carro na hora para evitar "futuros arrependimentos", Bertocchi então ligou para um amigo que possuía um caminhão-guincho para transportar o protótipo. Em meia hora ele apareceu (mais ou menos às 9 e meia da noite) e dez mecânicos da fábrica ajudaram a colocar o carro sobre a plataforma do caminhão ─ um deles se chamava Manacardi e também se tornaria amigo de Meade.

Mas para onde o caminhão seguiria? A continuação dessa história virá na próxima parte. Aguarde até lá! Ainda há muito a ser contado!


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