17 de agosto de 2015

O mistério do Esporte Brasília


Batizado em homenagem à nova e recém-fundada capital federal e com mais de uma década de antecedência em relação ao modelo da Volkswagen, o Brasília é provavelmente o primeiro automóvel brasileiro de características esportivas a ser produzido em uma certa escala por um fabricante independente, ainda que fosse limitada. Muito embora aparentasse em alguns pontos um veículo fruto de um trabalho amador, o Brasília não era uma mera experiência de fundo de garagem, pois o mesmo era produzido ─ mesmo que fosse de maneira artesanal e diante de toda a escassez de recursos técnicos da época ─ no Rio de Janeiro (RJ) pela Fábrica de Carroçarias Esportivas Ltda., uma subsidiária da Cássio Muniz S.A., uma grande corporação da época que controlava empresas dos mais diversificados ramos possíveis e era sediada na Rua do Arouche, 23, no bairro da República em São Paulo (SP).

Apesar de mais conhecida por sua rede de lojas de departamento do mesmo nome, a Cássio Muniz possuía: entre 1941 e 1950, a Companhia Nacional de Navegação Aérea (CNNA), o primeiro fabricante brasileiro de aeronaves; a Companhia Nacional de Navegação Costeira (CNNC), que durante muitos anos foi a principal empresa marítima do país; a Oficina de Manutenção e Recuperação de Aviões Ltda. (OMAREAL); a Bluebird Internacional Bicicletas, um fabricante de bicicletas; a rede revendedores autorizados Cássio Muniz que comercializava modelos da Volkswagen, General Motors, Vemag e de alguns outros fabricantes; a representação oficial dos produtos da RCA no Brasil, assim como da gravadora RCA Victor; e a direção de diversos programas e rádio e televisão, como o Cássio Muniz Show e o Teatro Cássio Muniz.


Anúncios de jornal das lojas de departamento Cássio Muniz & Cia.

Diante desse contexto, a produção do Brasília parecia estar assegurada por um generoso respaldo financeiro, o que provavelmente compensou a ausência de maquinário específico com uma equipe de mecânicos e funileiros competentes, tal como ocorre em qualquer lugar que esteja vivenciando o nascimento de uma indústria automobilística. A carroceria do modelo era feita em chapas aço, com exceção das partes móveis (capô, portas e tampa do porta-malas) que eram moldadas em alumínio, contrariando uma futura tendência de se utilizar a fibra de vidro, por conta da indisponibilidade do material na época, pelo menos em termos de viabilidade de aplicação direta na nossa indústria automobilística.

O chassi e os componentes mecânicos eram oriundos do Fusca ─ na época disponível somente com o motor de 1,2 litro e 36 cavalos de potência bruta ─ o primeiro de uma incontável lista de outros esportivos a reproduzirem a mesma fórmula no Brasil. A única modificação era feita no chassi com a adoção de um reforço estrutural para compensar a ausência de um teto fixo, como há de se convir em qualquer carro conversível, sendo mais vulnerável a torções.

Conversível com opção de capota de lona ou de alumínio. Interior com diversos itens aproveitados do Fusca.

Apesar do aspecto de um trabalho um pouco amador, como já mencionado, as linhas da carroceria do Brasília eram proporcionais às dimensões de sua plataforma e até transmitiam uma certa suntuosidade. A simplicidade de suas linhas e a ausência de cromados revelavam influência italiana e britânica na concepção estética, sendo a característica sobressaliência na linha de cintura, logo atrás das portas, um elemento de destaque e terminando em discretas barbatanas. Uma belo teto rígido de fácil remoção ─ feito em alumínio ─ acrescentava elegância ao conjunto, que por sua vez também não seria prejudicado caso o comprador optasse pela capota de lona.

A frente possuía faróis circulares individuais e uma grade que curiosamente carregava um logotipo da Volkswagen circunscrito em um friso também circular que dividia outro na horizontal. A traseira, por sua vez, dispunha de duas pequenas lanternas e era praticamente idêntica à do Corvette de primeira geração. As portas possuíam um chanfro tão grande na extremidade de trás que nada tinha em comum com a lateral do carro, podendo causar a impressão de ter sido um detalhe trabalhado de forma descuidada. Outros detalhes como rodas, painel de instrumentos e acabamento interno eram inteiramente preservados do Fusca, ainda que houvesse a opção de remover o banco traseiro e transformar o carro em um esportivo de dois lugares.

Frente tipicamente italiana e traseira copiada do Corvette de primeira geração.

Segundo o que se consta, a produção mensal do Brasília era cerca de 10 unidades, com previsão de aumentá-la para 15 até novembro de 1960, alguns meses após seu lançamento, provando que o modelo gozava de um moderado sucesso comercial levando em conta o seu segmento de mercado. Para adquiri-lo, o comprador tinha duas opções: doar um chassi e os componentes mecânicos (ou talvez em alguns casos, um Fusca inteiro), podendo ser novos ou usados, e pagar 380.000 cruzeiros; ou comprá-lo já pronto de fábrica por 1.190.000 cruzeiros. Longe de ser barato ou veloz, o Brasília aparentemente cumpria a função de ser um carro de passeio de apenas aparência esportiva e desfrutando de todas as vantagens da mecânica Volkswagen, basicamente a mesma do Karmann-Ghia enquanto sua produção não se iniciava no Brasil, ainda que na época fosse importado em pequenas quantidades.

Foto de capa da edição 77, de agosto de 1960, da Revista de Automóveis.

Apesar da Cássio Muniz comercializar os carros da Volkswagen em sua rede de concessionários, a montadora jamais se dispôs a fornecer peças para a produção do Brasília, sendo necessário a compra de Fuscas prontos para desmontá-los logo em seguida, caso o comprador desejasse adquirir o carro já completo de fábrica. Por outro lado, houve quem achasse interessante ter um Brasília construído sobre a plataforma do Porsche 356, que além de ser bastante similar ao que a Volkswagen utilizava, ainda servia como uma boa solução para um desempenho mais compatível ao perfil do carro. Posteriormente, o Brasília sofreu algumas modificações estéticas ao ganhar uma grade dianteira bipartida idêntica à do MGB e lanternas circulares na traseira que o faziam parecer um Ford Thunderbird miniaturizado.

Um exemplo de um Esporte Brasília montado sobre a plataforma mecânica de um Porsche 356. Além das rodas, observe a posição do bocal do tanque de combustível.

Dados exatos sobre a quantidade e o tempo de produção do Brasília são completamente desconhecidos, o que é surpreendente para um produto de uma das maiores corporações brasileiras da época. Mais ainda é o fato dele ter sido esquecido no tempo mesmo levando-se em conta que a produção total estimada é de um pouco mais de 50 carros, entretanto isso talvez se deva à falta de quaisquer campanhas publicitárias e de sua provável ausência nas primeiras edições do Salão do Automóvel. De qualquer forma, deve-se o mérito à Cássio Muniz pelo pioneirismo e pela coragem ao se arriscar em um nicho do mercado automotivo que poucos depois revelaria algumas experiências bem-sucedidas.

Referências: 1, 2

3 comentários:

  1. Obrigado pelo post sobre esse pioneiro esportivo nacional, uau, nunca tinha ouvido falar ou lido nada acerca de veículo ! Muito interessante seu blog ! Visite o meu spinbrothers.blogspot.com !

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  2. Nunca ouvi nada relacionado a esse veículo, total surpresa!

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