31 de agosto de 2015
As origens da Sabrico, o primeiro concessionário autorizado Volkswagen do Brasil
Já faz cerca de seis anos que a Sociedade Anônima Brasileira de Intercâmbio Comercial rescindiu seu contrato com a Volkswagen e fechou suas portas. Tradicionalmente conhecida como Sabrico, a revendedora e distribuidora paulista ostentou por quase sete décadas de existência a condição de seu pioneirismo na representação ─ e, em seus primeiros dias, também na montagem ─ dos veículos do fabricante alemão no Brasil. Independente de seu legado histórico, questões econômicas, estratégicas e administrativas tanto já colocaram a Sabrico, em algum momento da história, em uma situação equivalente à de braço direito da Volkswagen no Brasil quanto liquidaram sua permanência no mercado.
Fundada em São Paulo em 5 de junho 1941 através de empresários bolivianos, a história da Sabrico praticamente se confunde a da Brasmotor ─ empresa que em 1954 deu origem à Brastemp, um dos principais fabricantes brasileiros de eletrodomésticos. Com o objetivo de suprir diversas demandas de produtos reprimidas por conta da Segunda Guerra, a Companhia Geral de Distribuição Brasmotor surgia em 1945 como uma importadora de automóveis, motocicletas, aviões, embarcações, refrigeradores, rádios, televisores (antes mesmo da TV Tupi...), refrigeradores e tantos outros produtos industrializados que ainda levariam algum tempo para serem produzidos no país. A empresa expunha seus produtos nas vitrines da própria Sabrico, instalada em um edifício na Rua Barão de Ladário, no bairro do Brás.
Esse empreendimento surgiu pela união de forças entre os empresários bolivianos Miguel Etchenique e Innocencio Calmón, o advogado descendente de portugueses e ingleses José de Bastos Thompson e o relações-públicas Edmar L. Rabello. Tendo originalmente planejado passar pelo Brasil apenas para visitar seu amigo Calmón e outros empresários conterrâneos, Etchenique mudou de planos: ao invés de se estabelecer Buenos Aires, preferiu São Paulo, encantado e surpreendido pelo grau fortemente ascendente de desenvolvimento industrial e urbano que se alastrava pela metrópole.
Em relação aos automóveis, a Brasmotor não só planejava importá-los como também montá-los, com o intuito de poupar fretes e minorar a demanda de divisas e taxas aduaneiras, consequentemente envolvendo a instalação de uma linha de montagem e seus respectivos setores. Tanto a Ford quanto a General Motors já praticavam esse ofício, respectivamente desde 1920 e 1925; iniciativas mais contemporâneas e menos conhecidas eram as da Varam Motores S.A., responsável pela montagem de automóveis e caminhões da Nash, e da Distribuidora Studebaker, que mais tarde se tornaria a Vemag.
Muito embora esses carros fossem importados em formato CKD (completely knocked down, ou completamente desmontados), houve espaço para algum índice de nacionalização por conta do que era produzido na recém-nascida indústria brasileira de auto-peças, alimentada essencialmente pela ausência de itens de reposição de fabricantes cujos países de origem estavam direta ou indiretamente envolvidos na Segunda Guerra. Em um universo de fabriquetas improvisadas de fundo de quintal, muitas conseguiram se transformar em conglomerados industriais oferecendo produtos de altíssima qualidade, a ponto de conseguirem uma reserva de mercado ─ obviamente para a ira dos importadores ─ a partir da Subcomissão de Jipes, Tratores, Caminhões e Automóveis (um dos precursores do Grupo Executivo da Indústria Automobilística ─ GEIA), em 1952, que cessou a importação de componentes já produzidos no país a fim de evitar concorrência desleal de fora, o que naquele momento específico era razoavelmente plausível.
Retomando à Brasmotor em si, esta firmara um acordo em 1946 para se tornar um dos representantes da Chrysler Corporation no Brasil através de negociações com Charles C. Thomas, o vice-presidente daquele conglomerado automotivo, inicialmente importando automóveis e caminhões inteiramente montados. Com apoio da empresa estadunidense, houve a aquisição de um terreno de 100.000 m² em São Bernardo do Campo (SP), tornando-se a primeira montadora instalada no município que viria a ser conhecido como a Detroit brasileira. A chamada Fábrica 1 foi inaugurada em 17 de julho de 1949 e ao passar receber os veículos de SKD (semi-knocked down, ou parcialmente desmontado) para CKD, montava diariamente 16 automóveis dos fabricantes Dodge, DeSoto e Plymouth, e 6 caminhões Fargo. Havia também uma caminhonete Dodge Suburban que ganhava alongamento na carroceria e um terceiro banco inteiriço ─ uma verdadeira precursora da Veraneio!
O consumidor brasileiro reagiu positivamente aos produtos da Chrysler, elogiando aspectos como qualidade, conforto, durabilidade e desempenho. Infelizmente já no ano seguinte, empecilhos como greves trabalhistas na matriz estadunidense e a instabilidade cambial da moeda brasileira impediram a expansão e a regularidade da produção. O advogado Thompson, sem perspectivas de melhorias e em busca por alternativas, pensou em um certo carrinho que por algum tempo habitara sua imaginação: o Volkswagen. Thomas não pensou duas vezes e entrou em contato com Heinz Nordhoff, o então presidente do fabricante alemão, oferecendo-o a possibilidade de comercializar seu automóvel no Brasil. Vale ressaltar que a Volkswagen, por não conseguir emplacar no mercado estadunidense, possuía um acordo de distribuição em outros países através de redes filiadas à Chrysler, tal como foi o caso da África do Sul e Rodésia (atualmente parte do Zimbábue) e da Irlanda.
A partir do sucesso dos veículos DKW (muito antes da Vemag, diga-se de passagem) no Brasil, Nordhoff enviou Friedrich Wilhelm Schultz-Wenk para sondar a futura possibilidade em questão, apesar de até então não haver um vínculo empregatício com a empresa e apenas receber uma sumária "ajuda de custo". Impressionado com as instalações e com o serviço de pós-venda da Brasmotor, Schultz-Wenk, com a ajuda de Christian Tronbjerg ─ um dinamarquês especialista em montagem de automóveis e radicado no Brasil após fugir da Guerra ─, convenceu Nordhoff a não só vir ao Brasil como também a firmar um acordo para a montagem do Volkswagen no Brasil. Apesar de relutante em relação à situação econômica no país, Nordhoff cedeu à empreitada.
Acordos bilaterais entre Brasil e Alemanha também facilitaram o processo: de um lado, Nordhoff com acesso a canais diplomáticos por conta da administração estatal parcial da Volkswagen alemã; do outro, um velho conhecido de Thompson: Horácio Lafer, então líder da câmara dos deputados e à frente da Carteira de Exportação e Importação (Cexim). A Brasmotor demandava a chegada de um estoque de peças razoável e a facilitação da entrada de mecânicos germânicos no país ─ Lafer só temia uma associação pejorativa ao fato do motor traseiro, tal como se via no Renault 4CV, apelidado de "rabo quente".
Após a finalização de toda a burocracia, 1.253 Volkswagens foram incluídos na liberação das cartas de crédito e em setembro de 1950, os primeiros carros desembarcavam no Porto de Santos ─ a montagem de unidades trazidas em CKD, incluindo as da Kombi, começaria em fevereiro do ano seguinte e (pasmem!) dividiriam por algum tempo as linhas de montagem com os veículos da Chrysler. Apesar de majoritariamente acostumado com carros norte-americanos, o consumidor brasileiro foi aos poucos reconhecendo as qualidades do Fusca (até onde se sabe, nome dado aproximadamente naquela época como uma corruptela de "Volks") até se integrar como parte do cenário urbano do país.
Diante de tantas instabilidades cambiais e a impossibilidade de receber os carros desmontados dos Estados Unidos, a Brasmotor interrompeu definitivamente a montagem dos carros da Chrysler prematuramente em meados de 1952. Uma vez que os acordos entre o Brasil e Alemanha mantiveram alicerces relativamente estáveis, a montagem de Fuscas e Kombis se perdurou até 1953, quando Nordhoff, convencido por Schultz-Wenk e Thomas, decidiu fundar a Volkswagen Indústria e Comércio de Veículos Ltda., inicialmente com 80% de suas cotas pertencentes à matriz alemã e os 20% restantes ao Grupo Monteiro Aranha, que na época monopolizava a indústria de vidros no país. Originalmente, a montagem também seria feita em CKD em um galpão alugado na Rua do Manifesto, no bairro do Ipiranga.
Durante alguns meses, tanto a Brasmotor quanto a subsidiária oficial da matriz montavam os mesmos carros paralelamente, até que a primeira, após o término do contrato de licença, suspendeu a produção e passou a concentrar esforços na indústria de eletrodomésticos com a criação da Brastemp, sendo que conforme é sabido, tornou-se um dos expoente brasileiro nessa área. Por outro lado, a Brasmotor garantiu à Sabrico a distribuição exclusiva da Volkswagen, beneficiando-se futuramente da popularidade unânime que o fabricante obteria a partir dali.
As fotos que ilustram este post vêm de um álbum promocional da década de 60 distribuído entre clientes da revendedora, cuja matriz agora se localizava nas proximidades da Av. Francisco Matarazzo, na zona oeste da capital paulista. A Sabrico dispunha de uma esplêndida infraestrutura com 8.922 m³ de área construída e 6.090 m² de pátio, um verdadeiro mostruário industrial que inevitavelmente poderia ser apenas sustentada pelo maior fabricante do país.
As fotos não se restringem apenas à área do pátio e das vitrines, pois é possível ver também diversos ângulos da fachada com arquitetura similar à da fábrica instalada em São Bernardo do Campo, a loja e o estoque de peças de reposição, a ala administrativa, o refeitório e até mesmo uma aula da capacitação para mecânicos. Em outras palavras, uma verdadeira imersão ao ambiente da Sabrico aos olhos da contemporaneidade, considerando que materiais de concessionárias brasileiras de automóveis são raramente preservados.
Em 1997, a Sabrico se desvinculou da Brasmotor, tendo sido passada adiante por alguns grupos empresariais. Como aparentemente nenhum desses proprietários posteriores tiveram jogo de cintura ou algum tipo de planejamento estratégico para manter as atividades de uma empresa que havia se transformado em uma rede inteira de concessionários, a Sabrico sucumbiu e ao se mostrar incapaz de se manter a par da credibilidade que havia construído por várias décadas, acabou por ser descredenciada da Volkswagen em agosto de 2009.
De qualquer forma, aquela que foi a maior rede Volkswagen do Brasil ainda habita o imaginário de diversos antigomobilistas que puderam desfrutar daquele ambiente em sua fase áurea, que certamente está representada nestas fotos.
Via
David Marques
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