29 de abril de 2015

Miura 'Sport' e MTS: os primeiros dias de um fabricante independente de sucesso ─ Parte 1



Entre o fim da década de 70 e o início da década de 80, o Brasil vivenciou a efervescência do que poderíamos considerar atualmente como uma das faces alternativas de sua indústria automobilística. Alternativa porque tanto quanto essas outras faces, este mercado de modo geral jamais teve a oportunidade de superar suas vulnerabilidades e de se consolidar a fim de ocupar um papel de importância ao menos minimamente equiparável ao das grandes montadoras. Seu crescimento foi impulsionado a partir da carência de modelos estrangeiros novos de categorias equivalentes após a proibição da importação dos mesmos através de uma lei de reserva de mercado instituída em 1976.

Estamos falando dos esportivos fora-de-série, sempre produzidos com carroceria de fibra-de-vidro e muitas vezes com mecânica Volkswagen refrigerada a ar. Por conta de turbulências vivenciadas pelos próprios fabricantes, que poderiam ser tanto técnicas quanto financeiras, muitos desses modelos já nasciam com os dias contados, apesar de que vez ou outra aparecia a oportunidade para se ter ao menos 15 minutos de fama, seja através de uma matéria de revista ou da exposição em alguma edição do Salão do Automóvel. Na melhor das hipóteses, a produção geralmente se resumia a algumas poucas dezenas ou centenas de unidades em no máximo quatro ou cinco anos de atividades.


Definitivamente um clássico da história do automóvel brasileiro.


No meio dessa coleção de ilustres desconhecidos e esquecidos pelo tempo, houve aqueles modelos que se tornaram verdadeiros clássicos da indústria automobilística brasileira, frutos de trajetórias bem-sucedidas e recheadas de momentos de glória. Este é o exatamente o caso dos Miuras, que no início construíram uma reputação sólida apostando em virtudes como a alta qualidade de construção e acabamento, passando mais tarde a investir na introdução de equipamentos eletrônicos inéditos no Brasil e na renovação constante dos modelos. Consequentemente, a Besson, Gobbi ─ em outros tempos, Aldo Auto Capas ─ ocupou o posto da Puma de mais importante fabricante brasileiro de esportivos fora-de-série.

Esta série de posts é dedicada ao surgimento e à trajetória dos modelos 'Sport' e MTS, que representam os primeiros anos de praticamente uma década e meia de atividades do fabricante e que foram os pilares fundamentais para o sucesso do mesmo.



Aldo Auto Capas: de estofamento e acessórios automotivos ao sonho de produzir seus próprios modelos



Itelmar Gobbi (à esquerda) e Aldo Besson, em 1988.


Fundada em meados de 1966 em Porto Alegre por Aldo Besson (nascido em 1940 — falecido em 26 de dezembro de 2011), a Aldo Auto Capas era inicialmente um fabricante especializado em estofamentos personalizados para modelos já existentes na época e produzidos no Brasil, tais como o Simca Chambord, Aero-Willys e FNM 2000 JK. Como as opções de acabamento de fábrica eram escassas para os carros nacionais da época — bem como a variedade dos mesmos disponível no mercado — nada melhor do que uma empresa focada em atender a quem desejava algo mais. Muito embora seu mercado se resumisse apenas à capital gaúcha, em quatro anos de atividade, a empresa já conseguia alcançar o estado inteiro, além de também comercializar acessórios.


Anúncio de um modelo de banco reclinável da Aldo Auto Capas de 1974.


Em 1972, diante da rapidez com a qual a indústria automobilística brasileira se desenvolvia, ganhando cada vez mais consumidores e tanto ampliando quanto renovando sua gama de opções, a Aldo Auto Capas, além de querer acompanhar esse ritmo, lançou sua linha de bancos reclináveis, que em pouco tempo passaram a ser distribuídos e comercializados em todo o país, bem como contribuíram para promover uma boa imagem da empresa devido devido à beleza e alta qualidade de confecção dos mesmos. Havia até mesmo demandas da General Motors ao convidar a empresa para personalizar seus carros para algumas edições do Salão do Automóvel.

Em 1973, diante de um crescimento que tomava um ritmo cada vez mais progressivo, a empresa decidiu transferir suas instalações para um local mais amplo, sendo assim a Aldo Auto Capas agora era sediada na Rua Dona Margarida, nº 321, em Porto Alegre. Além disso, mais três filiais foram inauguradas no Rio Grande do Sul, sendo uma delas em Caxias do Sul, e logo no ano seguinte já havia mais outras duas fora do estado, respectivamente em São Paulo e Curitiba.

Em paralelo a isso, as ambições também ganhavam novas proporções e em dentro de pouco tempo chegaria a hora de dar um importante passo à frente: produzir os próprios automóveis.



Surge a ideia e monta-se uma equipe



Nilo Laschuk (à esquerda): o maestro por trás das formas do Miura.


Desfrutando de uma boa reputação em seu mercado de atuação e de fundos suficientes, a Aldo Auto Capas se sentiu segura para começar a desenvolver seu próprio modelo de automóvel. Na metade da década de 70, o nicho dos esportivos fora-de-série ainda era tímido, ao mesmo tempo em que dava sinais de uma perspectiva promissora. É inegável que a maioria esmagadora dos fabricantes desses carros tomavam como exemplo o esforço e o sucesso da Puma, porque foi quem criou terreno para a expansão desse nicho.

Um outro fator além da proibição das importações que serviu como incentivo foi a flexibilização da Volkswagen no que se refere ao fornecimento dos componentes mecânicos. Diante do fracasso comercial do Karmann-Ghia TC e SP-2, a montadora entendeu que seria muito mais lucrativo abrir de mão de desenvolver mais um novo modelo esportivo e virar o doador de uma plataforma mecânica cujo trunfo arrebatador era a relação custo-benefício, muito embora fosse limitada para um desempenho esportivo e antiquada.

Conceber um carro do zero jamais foi ou tampouco será tarefa para qualquer um, ainda mais utilizando-se apenas de recursos próprios, portanto Besson e seu sócio Itelmar Gobbi (nascido em 24 de agosto de 1938) trataram de formar uma equipe competente à altura do que viríamos a conhecer como produto final. Para conceber o projeto da carroceria, foi escalado Nilo Laschuk (nascido em 24 de setembro de 1947), então estudante de arquitetura, funcionário do fabricante de carrocerias de ônibus Marcopolo — aonde colaborou no desenvolvimento dos modelos Marcopolo II e III — e residente de Caxias do Sul.  O convite foi feito por Besson a partir de uma ligação interurbana ao próprio Laschuk em dezembro de 1975 — mais precisamente no dia de natal —, e a resposta foi positiva.

Para o projeto da parte mecânica, foi chamado o especialista Mariano Brubacher, que dispôs de seu profundo conhecimento em mecânica para colaborar também com inúmeras soluções e aperfeiçoamentos técnicos, sendo consequentemente escalado como chefe de mecânica geral.



E assim começa o projeto



A carroceria do primeiro protótipo em construção.


O projeto teve data marcada para começar: 20 de janeiro de 1976. Os três meses seguintes seriam dedicados a definir as primeiras etapas, como as formas da carroceria e especificações e detalhes técnicos, assim como iniciar a construção da primeira maquete em escala reduzida. Mais outros quatro meses foram gastos na construção de um mock-up feito em madeira e em escala real, que naturalmente incorporava diversas modificações em relação ao projeto original, como há de se convir no desenvolvimento de qualquer automóvel. Em setembro do mesmo ano, iniciou-se a construção do primeiro protótipo funcional em paralelo em paralelo ao desenvolvimento de todo o ferramental necessário para a produção do carro.

A responsabilidade pelo setor de fabricação das peças de fibra-de-vidro ficava a cargo de José Santos Borges, um antigo funcionário da Aldo Auto Capas com vasta experiência no manuseio e confecção do material. A pintura na cor amarelo-safári do primeiro protótipo ficou por conta de Jercy Nunes de Quadros na Casa Dico, uma tradicional oficina e revendedora de automóveis de grande porte de Porto Alegre.

Caso tivesse ficado pronto a tempo, o primeiro protótipo teria sido exposto no X Salão do Automóvel, em São Paulo. O que atrasou a finalização do protótipo foi a demora dos fornecedores de algumas peças, o que também prejudicou o cronograma de atividades do projeto como um todo, consequentemente adiando a conclusão e o lançamento do carro.


Algumas faces da carroceria do Miura.


De qualquer forma, o desenvolvimento do Miura teve uma repercussão extremamente positiva em alguns dos principais jornais gaúchos, como O Jornal do Comércio, a Folha da Tarde e o Zero Hora, que noticiavam com certa regularidade e detalhamento muitas das etapas do projeto até o tão esperado lançamento do modelo. É muito provável que um dos motivos para tanta publicidade devia-se ao fato do Miura ter se tornado o primeiro automóvel produzido no estado do Rio Grande do Sul, além disso, toda a imprensa local conhecia muito bem o histórico da Aldo Auto Capas, que por sua vez estava longe de ser gerida por marinheiros de primeira viagem.

Até onde sabe, o Miura teve sua primeira aparição em uma revista especializada de circulação nacional no suplemento Oficina da edição da Quatro Rodas de fevereiro de 1977. A matéria trazia informações mais específicas que veremos com detalhamento mais a seguir, tais como: vidro traseiro fixado diretamente na tampa do motor dispensando a necessidade de borrachas de vedação; para-choques feitos em ABS; frente separada do resto da carroceria por questões de segurança; o uso inédito de faróis escamonteáveis e a obrigatoriedade de dispor também de faróis auxiliares no caso de alguma pane; tomadas de ar laterais incorporadas à carroceria; e o painel de formato peculiar.


A estrutura do painel de três módulos (foto superior), tal como seria visto no modelo final, e o molde da proposta anterior no primeiro protótipo.


Conforme perceberemos ao comparar com o modelo final, o molde do painel no primeiro protótipo continha quatro módulos, sendo que os dois à direita eram posicionados na diagonal para acompanhar o campo de visão do motorista. No entanto, optou-se por desenvolver e utilizar uma versão alternativa de três módulos, mas simples e que racionalizava melhor o espaço como um todo. Seu formato futurista e completamente fora do comum acabou se tornando um dos principais atrativos do Miura.



O Miura de cabo a rabo



Visual completamente distinto em relação aos outros esportivos fora-de-série. 


Os croquis da prancheta de Laschuk se materializaram na forma de um belo cupê aerodinâmico de dois lugares dotado de linhas retilíneas com carroceria em formato de cunha, tomando como referência vários esportivos italianos de prestígio da época, a exemplo do Lamborghini Urraco, Maserati Merak, DeTomaso Pantera e tantos outros. Apesar de seguir essa escola estilística, tão popular na época, o Miura não se tratava da cópia brasileira de nenhum outro modelo, mas sim de uma criação própria caracterizada por uma identidade que se solidificou à medida que a reputação da marca aumentava com o tempo. Um carro baixo, largo e comprido, com uma frente praticamente e recesso linear e plana, dispondo de um capô inteiramente despojado de detalhes e vincos, mas trazendo faróis escamonteáveis, ainda inéditos no Brasil.



Perfil aerodinâmico, frente no formato de cunha e ausência total de cromados. 


Ao contrário dos mecanismos tradicionais, os faróis — que por sinal, eram os mesmos do Fiat 147, com lâmpadas de iodo — permaneciam estáticos e apareciam quando a tampa de cada um dos mesmos desciam na diagonal, além de que o mecanismo funcionava a vácuo, alimentado pelos coletores, através de uma válvula eletrônica cujo acionamento era feito por um botão no painel. O teto possuía um recesso quase que linear que se estendia até praticamente as extremidades do fundo do carro, reproduzindo um efeito similar aos dos carros com carroceria fastback. No fundo, a tampa do motor, sustentada por duas hastes deslizante quando aberta, possuía uma bolha de vidro fundida diretamente no molde de fibra durante o processo de laminação, dispensando o uso de borracha para vedação. Assim como tanto a tampa do motor quanto a bolha de vidro possuíam se curvavam para baixo em suas extremidades, a visibilidade na traseira era satisfatória, muito embora houvesse algumas distorções por conta da forma do próprio vidro.


Atrás, tampa do motor com uma bolha de vidro fundida diretamente na fibra, lanternas corrugadas feitas exclusivamente para o modelo e parachoque (assim como o dianteiro) feito em ABS. 


Os para-choques eram embutidos, complementando o visual moderno, e eram feitos em ABS (Acrylonitrile Butadiene Styrene, ou acrilonitrila butadieno estireno), um copolímero que se materializa na forma de um termoplástico leve, rígido, elástico e de altíssima resistência a impactos, cuja utilização ainda era inédita na indústria automobilística brasileira. Na frente, no caso do primeiro protótipo (amarelo-safári) tanto os faróis auxiliares — estes exigidos pelo DETRAN no caso de alguma falha no mecânismo dos faróis escamonteáveis — quanto os piscas eram incorporados à carroceria e situados abaixo do para-choque dianteiro, enquanto que as lanternas eram incorporadas ao para-choque traseiro em si. No modelo de produção (e também no segundo protótipo), os faróis auxiliares ficavam dispostos atrás duas pequenas grades metálicas situadas ao lado da placa, além disso ele trazia o emblema da Miura posicionado abaixo do farol esquerdo, enquanto que as lanternas traseiras permaneceram idênticas.



 O segundo protótipo, prateado, já com características mais próximas às do modelo de produção.


Todo o conjunto óptico do carro possuía um tratamento exclusivo de superfície com a aplicação de um material reflexivo de textura corrugada para que se tornassem mais visíveis. Dentre outros aspectos relacionados à parte exterior, as laterais eram marcadas por enormes portas que proporcionavam um melhor acesso ao interior do veículo em relação a outros esportivos — com maçanetas da VW Brasília, janelas com a ausência de quebra-ventos, algo incomum nos carros da época, e vidros em formato trapezoidal posicionado logo atrás das portas acompanhados de entradas de ar para a refrigeração do motor.

Os retrovisores externos vinham do Ford Maverick GT, ainda que em carros de série só viessem com o do lado do motorista. A tampa do tanque de combustível ficava na esquerda logo ao lado da janela traseira. Um detalhe estético interessante era a posição dos limpadores do para-brisa, oriundos do VW SP-2, alojados sob o capô e não visíveis quando desativados. Quanto às dimensões, o carro possuía 4,30 m de comprimento, 1,57 m de largura, 1,14 m de altura e 2,40 m de distância entre-eixos.

Para a confecção da carroceria, todo o processo era feito utilizando uma máquina de spray up para a manipulação da resina e posteriormente submetê-la a uma fase de gelatinação e catalização. Sendo assim, o material endurecia, adquirindo características sólidas e resistência mecânica, e era então passado para a matriz, que por sua vez, quando coberta, fazia com que a fibra ganhasse seu aspecto definitivo. Ao abrir a matriz, a carroceria se encontrava completa com todas as suas partes.


O motor Volkswagen de 1,6 litro refrigerado a ar com carburação dupla.


MECÂNICA E OUTROS DETALHES TÉCNICOS

Em relação à parte mecânica, o Miura utilizava tanto o chassi quanto todos os componentes da Brasília, sendo assim se tratava da tradicional mecânica Volkswagen “a ar”, com motor de 1,6 litro de deslocamento montado na traseira com carburação dupla, que por sua vez fornecia uma potência e torque brutos de respectivamente 65 cavalos a 4.600 rpm e 12 kgfm a 3.000 rpm. Como o conjunto mecânico era insuficiente para um desempenho esportivo, previa-se a opção de dois tipos de preparação para o motor feitos por Vilmar Azevedo, um renomado preparador de Fuscas de competição da década de 70: a primeira elevava a cilindrada para 1,7 litro e utilizava dois carburadores Solex 40, enquanto que a outra elevava para 1,8 litro, sendo que ambas permitiam o uso de gasolina comum.

Baixos níveis de ruído do motor foram alcançados com um retrabalho no escapamento que fez com que o barulhento motor VW produzisse não mais do que 65 decibéis. Os ouvidos dos ocupantes também eram poupados mais ainda graças a um isolamento acústico feito com um material fono-absorvente, escolhido após várias experiências com outros de tipos e espessuras diferentes. Quanto ao câmbio, a única modificação foi um recuo da alavanca feito para que pudesse ficar mais acessível à mão do motorista.


Redução dos níveis de ruídos internos graças à aplicação de um material fono-absorvente.


Entre os itens previamente incorporados à mecânica VW por conta de novas normas de segurança exigidas pelo CONTRAN, estavam o duplo circuito hidráulico no sistema de freios — acompanhado de uma luz no painel para indicar eventual pane no sistema — e a coluna de direção retrátil. Ainda assim, os freios ainda não pareciam adequados por conta do baixíssimo peso na frente do carro, o que tenderia facilmente ao travamento das rodas em frenagens de emergência. A concentração de peso era acentuada ainda mais na traseira pelo fato do tanque de gasolina ter sido posicionado entre o interior e o motor do carro, com o intuito de otimizar o espaço no porta-malas na frente.

Pneus radiais Pirelli CN36 175/70 HR 13 calçavam rodas de liga leve Scorro S-36 com aro de 13 polegadas e tala de 7 polegadas na frente e 8 atrás, capazes de controlar com segurança situações de sobreesterço.


O acabamento interno se tornou um dos maiores trunfos do Miura. (via)


INTERIOR E ITENS DE CONFORTO

O acesso ao interior jamais foi tarefa fácil em um esportivo, no entanto, o interior em si era uma alegria à parte e uma das virtudes mais poderosas do Miura, aproveitando-se a antiga especialidade da Aldo Auto Capas. Com um acabamento de altíssima qualidade, o revestimento dos bancos, do painel e das laterais era feito em courvin, enquanto que o teto era revestido somente em náilon e o assoalho era carpetado, porém com bordas também em náilon. Estava prevista, no entanto, a opção de revestimento completo em náilon, esta descartada no modelo de produção. Vale ressaltar que a rugosidade do courvin poderia variar de um carro para o outro, uma vez que a fábrica possuía três fornecedores diferentes.



O painel de três módulos era certamente um dos elementos mais singulares do Miura.


O volante era da Walrod com empunhadura espessa, três raios e botão de buzina levemente convexo com o emblema da Miura no centro, além de contar com regulagem elétrica, uma verdadeira exclusividade na época, operada através de um botão no painel. Os pedais também eram reguláveis, porém neste caso o ajuste era mecânico. Os bancos eram reclináveis e anatômicos com apoios de cabeça embutidos nos encostos, além de possuírem uma estampa personalizada e proverem conforto total.

Dotado de um visual futurista e tão atraente quanto o visual da carroceria, o painel continha seus instrumentos dispostos em três módulos da seguinte maneira: o da esquerda com velocímetro; o central com o conta-giros; e o da direita — este direcionado ao motorista — com termômetro de óleo, manômetro de óleo, amperímetro e indicador do nível de combustível. As teclas de comando dos faróis, pisca-alerta, ventilador e luz interna vinham do Fiat 147 e ficavam situadas à esquerda do volante. O console central abrigava um rádio AM/FM estéreo que vinha como equipamento de série, a alavanca de câmbio com empunhadura ergonômica, o freio de mão e um porta-objetos. Para melhorar o conforto interno, ar-condicionado, rádio toca-fitas (Bosch ou TKR) e vidros elétricos estavam disponíveis como opcionais.


Comodidades como regulagem elétrica do volante e mecânica dos pedais estavam incluídas no pacote. (via)



Pronto para os testes



O protótipo amarelo-safári no primeiro de inúmeros testes no Autódromo de Tarumã.

EM POUCAS VOLTAS, MUITAS SURPRESAS

Mesmo faltando os vidros das portas e completamente despojado de acabamento interno, o protótipo amarelo-safári começou a ganhar as ruas logo no começo de 1977, inicialmente para testes simples que previam uma distância total de apenas 30 quilômetros, mas que na prática resultaram na rodagem de cerca de 150 a 200 quilômetros por dia durante algumas semanas, tanto nas ruas de Porto Alegre quanto em estradas do Rio Grande do Sul. No dia 9 de fevereiro, o Miura foi levado pela primeira de muitas vezes ao Autódromo Internacional de Tarumã, em Viamão, na região da Grande Porto Alegre, aonde foi testado com o auxílio de Christiano Nigaard, então piloto de rally da equipe Gaúcha Car.

Aquela ocasião, por também se tratar de um dia chuvoso, se mostrou uma ótima oportunidade para medir a estabilidade do carro em condições um pouco mais adversas, que por sua vez rendeu resultados excelentes, comprovando um ótimo comportamento dinâmico enfatizado pelo baixo centro de gravidade do veículo. Além disso, pela preocupação em relação à aerodinâmica, o carro não produzia ruídos como assobios ou chiados provocados pelo vento em altas velocidades e também se mostrou bastante firme ao solo à medida em que a velocidade aumentava, quando na verdade esperava-se que a frente decolasse, pelo fato de ser muito mais leve do que a traseira.


O piloto Christiano Nigaard se preparando para o teste. Repare o interior do protótipo despojado de acabamento. 


Somente o desempenho foi considerado insuficiente para o perfil esportivo do carro, por conta do motor VW “a ar”, não passando da marca dos 160 km/h. Em uma das voltas, Nigaard percorreu a pista inteira em apenas 1 minuto e 42 segundos utilizando somente a quarta marcha, e tanto Besson quanto Gobbi também testaram o carro no autódromo e se entusiasmaram com os resultados. O teste, por outro lado, mostrou logo de início que diversas modificações precisavam ser feitas no protótipo original, como por exemplo, adicionar entradas de ar maiores na parte inferior da frente do carro, para melhorar a ventilação do freio.

Outras modificações foram introduzidas no protótipo prateado, tais como: aumento da extremidade da parte inferior da traseira parar abrigar um novo escapamento esportivo; diminuição do tamanho do capô na extremidade do para-brisa, resultando em uma cavidade maior aonde os limpadores ficavam alojados; e reposicionamento do tanque de gasolina — este oriundo da Kombi — para a traseira entre o motor e o interior do carro, com o objetivo de reduzir em parte a transmissão dos ruídos e trepidações do barulhento motor “a ar”.


O dia chuvoso mostrou-se oportuno para testar o comportamento dinâmico do protótipo.


OS TESTES DA CINETEC E UM SUPOSTO CRASH TEST

Uma bateria de testes também foi feita pela atual Fundação Ciência e Tecnologia — CINETEC, um órgão público do Rio Grande do Sul dedicado a pesquisas científicas e desenvolvimento tecnológico, que se mostraram fundamentais no desenvolvimento do projeto do Miura. Os testes duraram entre 19 de maio e 9 de junho de 1977 (apenas cinco dias após o lançamento do modelo) e totalizaram cerca de 5.000 quilômetros rodados em todos os tipos de terrenos e condições climáticas possíveis, incluindo também testes com a carroceria para examinar a qualidade e a resistência da fibra-de-vidro e capacidade de vedação. Vale ressaltar que todas as fases dos testes foram documentadas em vídeo, e dentre tantos detalhes, uma das mudanças sugeridas pela CINETEC foi do conjunto de luzes do painel que refletia sobre o para-brisa. Mesmo com a minúcia e todo o rigor, o Miura ganhou um selo de aprovação.

Há rumores de que o protótipo amarelo-safári teria sido sacrificado em prol de um bem maior: teria enfrentado o crash test, conhecido na época como "teste do muro". A verdade é que pouco após o lançamento, o fim a esse protótipo foi dado de outra maneira: ele foi completamente desmontado e sua carroceria foi recolhida.


Com o fim dos testes, o destino do protótipo amarelo-safári, o primeiro Miura construído, foi o desmanche.


Faltava pouco tempo para o lançamento, mas este e outros tópicos, além de várias surpresas, ficarão para o próximo post. Continuaremos em breve....


Referências: 123
Com correções do Miura Clube do Rio de Janeiro
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6 comentários:

  1. Parabéns, David Marques! Um excelente trabalho de pesquisa. Texto primoroso!!! Recomendamos a todos os amantes do antigomobilismo a leitura!

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  2. Belíssimo trabalho. Fico no aguardo da continuação.

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  3. Muito obrigado, pessoal!
    Como é bom ter esse feedback tão positivo!
    Um forte abraço a todos.

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  4. ¡¡Magnífico!! Recién me entero de la existencia de estos autos, y ésta investigación es la mejor que he leído. ¡Gracias por publicarla!

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