9 de julho de 2015

Miura 'Sport' e MTS: os primeiros dias de um fabricante independente de sucesso ─ Parte 3


Muitas vezes o imaginário coletivo enxerga a virada de uma década como um sinal de recomeço ou provavelmente também como a chegada repentina de um futuro que até então parecia distante. Por mais que a fantasioso (ou não) que isso possa parecer, a sensação iminente de novos ares é quase sempre preponderante, muito embora não signifiquem necessariamente boas realizações. Ao contrário da maioria de seus rivais, o Miura escapou de uma existência efêmera e fez da década de 1980 o seu período áureo, passando a ser o principal exponente entre os esportivos fora-de-série brasileiros. Enquanto não havia uma transformação radical, como por exemplo, um modelo inteiramente novo, a Aldo Auto Capas decidiu apontar alguns sinais ao introduzir algumas grandes surpresas ao que já produzia.

Enquanto a produção mensal atingia a marca de 40 carros e um total de mais de 500 unidades construídas somando-se aos anos anteriores, a chegada da nova década foi brindada com uma certa antecedência pelo lançamento da linha 1980, com direito até mesmo a uma cerimônia de comemoração. Na terça-feira do dia 16 de outubro de 1979, na sede da Aldo Auto Capas na Avenida Sertório, dois carros foram expostos para o deleite de diversos jornalistas e convidados privilegiados. Logo na sexta-feira seguinte do dia 19, a nova linha pôde ser desfrutada por um público muito maior no II Salão Sobre-Rodas, realizado até o dia 28 do mesmo mês no Pavilhão de Exposições da Festa da Uva, em Caixias do Sul. Se tratando de um evento estritamente estadual, não foi preciso qualquer esforço para que o Miura se tornasse o maior destaque.

No topo, Aldo Besson (à esquerda) e Itelmar Gobbi discursando para o público durante a cerimônia de
lançamento da linha 1980. Abaixo, Besson e Gobbi (na mesma foto à esquerda) posando ao lado de um
dos carros, enquanto os convidados matavam a curiosidade explorando o outro.

'Sport II': o mesmo carro com uma outra personalidade


Para os entusiastas, 'Sport II', mas para a fábrica, continuava apenas Miura. 

O ‘Sport II’, como viria a ser popularmente conhecido para facilitar sua identificação, era apresentado com a sua mais profunda reformulação estilística desde seu lançamento, que se consistia na mudança completa da traseira, e a depender de que ângulo era visto, tinha-se a impressão de que se tratava de um modelo completamente novo por influir diretamente na personalidade do carro. A traseira futurista de ampla área envidraçada dos modelos anteriores dava lugar a outra muito mais conservadora e discreta, ainda que coubesse elegante e perfeitamente ao resto do conjunto, além de ter largura menor em relação ao carro como um todo. Toda a reformulação havia sido obra de Itelmar Gobbi, que com a saída de Nilo Laschuk, assumiu o controle do departamento de design da marca.

A nova tampa do motor tinha duas saídas de ar e por não englobar o vidro traseiro, fazia com que o habitáculo dos passageiros estivesse completamente isolado do motor, acarretando em uma diminuição do nível de ruído interno. Tanto a tampa do motor ─ cujas dobradiças ficavam à amostra ─ quanto o vidro traseiro ficavam situados dentro de uma cavidade, permitindo que o vidro pudesse ter tamanho e inclinação menores, o que resultou em uma melhoria drástica na visibilidade traseira, mas que ao mesmo tempo manteve o formato fastback da carroceria.

A nova traseira causava a impressão de se tratar de um modelo completamente novo.

A parte inferior da tampa motor era alta e possuía uma elevação com uma cavidade que simulava o mesmo efeito visual de um aerofólio. Logo abaixo estavam as novas lanternas, muito maiores em largura, se estendendo até as extremidades da parte traseira das laterais da mesma forma que o novo para-choque, feito em poliuretano rígido e com espessura de chapa um pouco mais fina em relação aos dos modelos anteriores, ainda que ao mesmo tempo mais saliente. Na frente também havia um novo para-choque envolvente, bem como os novos piscas, que podiam ser tanto retangulares quanto na forma de um ‘bumerangue’.

O MTS possuía entradas de ar situadas abaixo do para-choque, ao contrário do modelo “a ar” que não possuía. A altura do teto foi elevada em 2 centímetros por conta de um arrendondamento do teto e diminuição do revestimento interno, graças também à aplicação de um filete de borracha que contempla toda a área de fixação da carroceria à plataforma. A carroceria em si possuía um dos processos mais refinados de pintura da indústria automobilística brasileira e também dispunha da opção de 12 cores.

 Apesar de ser mais conservadora esteticamente, a nova traseira trazia algumas melhorias técnicas, como
uma melhor visibilidade e o isolamento entre o habitáculo e o cofre do motor.

Outros detalhes estéticos novos eram retrovisores externos agora oriundos do Corcel II (que não foi necessariamente incluído em todas as unidades) e o bocal do tanque de combustível agora situado atrás do vidro lateral na esquerda, escondido por aletas metálicas, que minou problemas de vazamento e finalmente impediu que o cheiro do combustível chegasse ao interior. Seu novo formato também evitava que respingos recaíssem sobre a lateral na hora do abastecimento.

O sistema de escapamento foi inteiramente renovado e agora passava a ser simples e não mais duplo, o que eliminou um problema de desregulagem recorrente nos modelos anteriores e que ocasionalmente causava oscilações nos índices de desempenho e consumo. O peso total do veículo foi novamente reduzido em cerca de 100 kg, mostrando que a fábrica aperfeiçoou ainda mais as técnicas de confecção das carrocerias, ao mesmo tempo em que mantinha uma resistência estrutural similar.

Novo bocal do tanque de combustível, porta-malas carpetado e uma das rodas concêntricas
 ─ estas predominantes na maior parte da safra do Miura 1980.

POR DENTRO, PAINEL NOVAMENTE REFORMULADO

Por dentro, o painel era novamente alterado, agora com quadro de instrumentos em uma posição mais alta e com os mostradores, embutidos em cubos e cujas molduras eram pintadas de preto fosco, sendo que todos eles, com exceção do conta-giros e do velocímetro, eram virados para o motorista, para que a leitura dos mesmos fosse melhor. A fechadura da ignição ganhara iluminação interna para que fosse encontrada sem dificuldades no escuro.

 O quadro de instrumentos ganhava mudanças significativas, mas a leitura ainda permanecia longe do ideal.

O acabamento continuava a ser primoroso, dispondo de uma excelente vedação contra umidade e oferecido tanto em couro quanto em courvin, porém o carpete passava a vir em um esquema de tons igual ao dos bancos e alguns modelos podiam vir com o emblema “Miura” costurado nos apoios de cabeça dos bancos. Não só o assoalho era carpetado como também o porta-malas, enquanto que os vidros passavam a ser Ray-Ban. Mas para complementar o conforto interno, ar-condicionado, vidros elétricos, rádio toca-fitas Bosch ou TKR (agora complementado por uma antena embutida no teto que por sua vez vinha de série) e teto-solar continuavam sendo oferecidos como equipamentos opcionais. Um novo opcional era um spoiler posicionado abaixo do para-choque dianteiro.

Por fim, os preços continuavam a inflacionar com o Miura “a ar” e o MTS custando respectivamente cerca de 336.000 e 408.000 cruzeiros, e eles agora poderiam ser adquiridos em algumas cidades através de concessionários autorizados Volkswagen. As vendas se mantiveram estáveis e a produção dos Miuras 1980 (isto é, contabilizando os modelos '79/80' e '80/80') se totalizou em 320 unidades.

O mercado respondeu positivamente às mudanças e as vendas permaneceram estáveis.

A AVALIAÇÃO DA AUTO ESPORTE

A revista Auto Esporte testou o novo Miura “a ar” e a matéria foi publicada na edição de novembro de 1979, obviamente ressaltando a novidade e os benefícios da nova traseira. A matéria enfatizava o quanto a Aldo Auto Capas havia aperfeiçoado seu produto levando em consideração a quantidade de unidades produzidas até então, fruto do empenho da fábrica em institucionalizar um rigoroso controle de qualidade. Não é por menos que não só o acabamento do veículo, como também o processo de pintura e a confecção da carroceria, se destacavam com disparidade em relação a outros esportivos.

Melhora no desempenho provou na prática os efeitos da redução do peso no teste da Auto Esporte.

O desempenho do Miura “a ar” havia melhorado absurdamente, levando 18,9 segundos para acelerar de 0 a 100 km/h contra 25 do modelo testado pela Quatro Rodas em março do mesmo ano, provando o quanto as reduções de peso fizeram bem à performance do carro sem abrir mão da segurança. A Auto Esporte também marcou uma velocidade final de 146 km/h, alegando que poderia ter superado a marca dos 150 caso o carro tivesse com motor amaciado, porém de qualquer forma uma melhoria drástica em relação aos 135 km/h alcançados pelo modelo anterior. A revista também elogiou a estabilidade, mas pontuou que o volante produzia uma certa oscilação que transmitia uma sensação de insegurança e que a leitura dos instrumentos ainda continuava precária, pois a depender da posição de regulagem do volante, alguns deles acabam ficando escondidos. Na conclusão do teste, a revista alegou que as evoluções do modelo 1980 seriam gratificantes para seus admiradores e para conquistar muitos outros até mesmo em outros países, pois desde o lançamento do Miura em 1977, a Aldo Auto Capas tinha recebido consultas para exportação.

Ganhando outros mercados


 Aquisição de novos maquinários e contratação de mais funcionários para atender a uma demanda crescente.

Antes mesmo de ser lançado, o Miura já era visado por outros países que perceberam seu verdadeiro potencial comercial, ainda que infelizmente tenha sido pouquíssimo aproveitado pelos mesmos por conta das circunstâncias da época. O fato do Rio Grande do Sul possuir fronteiras com a Argentina e Uruguai ajudou o Miura ter ao menos uma tímida participação no mercado desses dois países, além de ter sido brevemente disponibilizado no Chile. Entretanto, o primeiro acordo formal de exportação aconteceria em junho de 1980 quando a Aldo Auto Capas fechou negócio com a Trading Contracom, localizada em Bogotá, e assim se tornando o representante oficial da marca na Colômbia. O lançamento oficial para o mercado colombiano estava planejado para acontecer durante a XIII Feira Internacional de Bogotá, logo no mês seguinte, sendo assim dois carros foram prontamente preparados e enviados com esse objetivo.

Ao contrário do Brasil daquela época, o mercado colombiano dispunha de veículos importados não só do Brasil em si ou de outros países latino-americanos, mas também de modelos europeus, norte-americanos e japoneses. Ainda que o Miura estivesse a par tanto em termos de estilo quanto em qualidade de construção e acabamento, a Aldo Auto Capas optou por somente exportar o MTS. Planejava-se também enviar até o final do ano cerca 60 unidades, o que na época totalizava um valor de 600 mil dólares, além de tentar atingir outros países sul-americanos. Porém, como a Aldo Auto Capas era capaz de produzir até então cerca de 40 carros por mês, investimentos foram feitos em novos maquinários, na expansão da linha de montagem e na contratação de novos funcionários. Outros mercados que já haviam recebido pequenas quantidades do Miura eram os da Bélgica e Itália, enquanto que ao mesmo tempo ocorria negociações com importadores dos Estados Unidos e do Kuwait.

Na próxima parte veremos as novidades do modelo do ano seguinte que chegaram estrategicamente com uma antecedência ainda maior e muito mais. Até lá!

Referências: 12, 3, 4
Com correções do Miura Clube do Rio de Janeiro
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